Assistência humanitária internacional

Assistência humanitária internacional

Frente à ocorrência de emergências e desastres de grandes proporções é comum que a comunidade internacional se mobilize para fazer chegar apoio ao país afetado, tanto em assistência técnica, como em espécie e apoio financeiro. A chegada repentina e maciça de assistência pode ser um elemento adicional de complicação do cenário de crise no país afetado, caso não exista uma estrutura de coordenação adequada para a gestão.

A assistência internacional deve responder às solicitações expressas feitas pelo país afetado baseada em suas avaliações de danos e necessidades, deve estar orientada aos aspectos que o país tem maior dificuldade para suprir com seus próprios recursos e deve estar estreitamente coordenada com as autoridades nacionais encarregadas.

1- Provisão de assistência internacional em saúde

Levando em conta que a comunidade local é a que fornece a primeira resposta, a ajuda internacional deve estar orientada a cobrir aquelas necessidades pontuais e técnicas que não podem ser atendidas com os recursos disponíveis do país afetado.

De acordo com o documento Asistencia humanitaria en caso de desastres: Guía para proveer ayuda eficaz de Opas, os seguintes pontos são chave no momento da assistência internacional:

  • As autoridades sanitárias nacionais devem avaliar rapidamente as necessidades de assistência externa e alertar de imediato a comunidade internacional sobre o tipo de assistência de que se necessita e do que não se necessita. As prioridades devem ser esclarecidas, fazendo uma distinção entre as necessidades imediatas e as de reabilitação e reconstrução.
  • A assistência sanitária externa em caso de desastres deve ser coordenada com os funcionários designados pelo Ministério da Saúde.
  • As missões diplomáticas e consulares devem comunicar aos países doadores políticas firmes sobre a aceitação de suprimentos não solicitados ou inapropriados.
  • Para evitar a duplicação da assistência sanitária em caso de desastres, deve-se aproveitar plenamente o papel da Opas como ente coordenador para informar aos doadores acerca das contribuições oferecidas e determinar quais são as verdadeiras necessidades sanitárias.
  • Antes de solicitar pessoal especializado, os países devem assegurar-se de sua necessidade e verificar a capacidade técnica e a autonomia para sua operação.

Nesse guia recomenda-se, ademais:

  • Pessoal médico e paramédico: Os recursos humanos do país devem ser os que enfrentam primeiro a emergência, pois conhecem as doenças do país, normas e protocolos, o idioma, o tempo para a chegada de recursos externos, que, se não forem autossustentáveis, serão uma carga para o sistema local. Os estrangeiros deveriam cobrir certas necessidades pontuais de especialidade que estejam em falta no lugar do desastre.
  • Medicamentos: Deve-se verificar a pertinência da solicitação e do envio, ao mesmo tempo em que a qualidade e o cumprimento das normas de armazenamento, conservação e vencimento, que demandam uma classificação geralmente realizada pelo pessoal envolvido na assistência farmacêutica.
  • Sangue e derivados: Não é uma regra que depois do desastre haja uma grande necessidade desse tipo de produto, geralmente os recursos locais cobrem muito bem a necessidade que possa existir; enviar esse tipo de ajuda significa um grande problema logístico, já que requer sistemas de refrigeração e transporte adequados, além de condições de qualidade e segurança muito minuciosos (doenças transmissíveis).
  • Alimentos: Geralmente, na América Latina e na Central, não há grande escassez de alimentos depois de um desastre; ademais, a doação de alimentos não soluciona o problema do transporte, já que as vias de acesso podem estar destruídas pelo evento, como no caso de terremotos, deslizamentos ou inundações. Deve-se focar nas populações com necessidades especiais (gestantes, crianças, idosos, pacientes vivendo com HIV, entre outros) e considerar condições culturais e hábitos alimentares.
  • Hospitais de campanha: Se eles cumprem os requerimentos de tempo e são autossustentáveis, poderiam ser aceitos após uma análise de custo-benefício pela autoridade de saúde no país.
  • VacinasCom muita frequência não são necessárias nem estão aprovadas pelo Ministério da Saúde correspondente, sendo necessário constatar apresentação, doses, data de vencimento, custos de transporte, recursos para a gestão. Além disso, como ocorre frequentemente em desastres, os refrigeradores podem estar afetados e deve-se considerar isso antes de qualquer decisão.
  • Água e saneamentoDevem-se considerar os altos custos que o envio de água e algumas soluções de saneamento básico implicam (latrinas ou banheiros químicos). O importante é gerar uma análise da situação caso a caso e incentivar as medidas para obter água segura e uma boa solução para os problemas de saneamento segundo a circunstância e, preferivelmente, com meios culturalmente aceitáveis, utilizando recursos e mão-de-obra locais. O enfoque também deve ser em elementos que garantam a sustentabilidade em médio prazo.

A Comunidade Humanitária Internacional tem feito importantes esforços para melhorar a qualidade das doações, tanto em medicamentos, como em equipes de saúde e outros suprimentos de saúde, acordando uma série de delineamentos sobre práticas na doação de medicamentos.

Os países têm o direito de decidir qual assistência aceitar, mas também têm o dever de orientar os doadores sobre qual é a assistência mais apropriada para as necessidades particulares da emergência. O guia Saber donar: Recomendaciones prácticas sobre donaciones humanitarias brinda una serie de orientaciones tanto para los países como para los donantes sobre buenas prácticas de ayuda.

Igualmente, muitos governos da região têm estabelecido mecanismos e delineamentos para a coordenação da ajuda recíproca entre países, tanto para receber como para dar assistência; como é o caso do  Guía de operación para asistencia mutua frente a desastres en los países andinos e do Manual Regional de Procedimientos de las Cancillerías en casos de Desastres, que inclui a América Central, Belize e República Dominicana.

2- Organizações internacionais de assistência humanitária

O sucesso de uma emergência, em certo grau, é também o cenário da ativação de grande quantidade de atores humanitários que possam estar presentes ou que chegam ao país afetado.

2.1- Oficina de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha)

A Oficina de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), da Secretaria das Nações Unidas, tem entre suas funções a ativação da oferta internacional de apoio e cooperação interinstitucional e a simplificação dos procedimentos de apoio à coordenação no campo. Coordena a resposta do sistema das Nações Unidas para as emergências e favorece as ações destinadas a prevenir e a preparar para desastres. Sob sua coordenação, deslocam-se equipes especializadas que são enviadas a pedido do governo do país afetado. 

A Undac, equipe das Nações Unidas para a avaliação e a coordenação em caso de desastres, desloca-se rapidamente para assistir a um país afetado por um desastre e iniciar tarefas de recuperação, colaborando com as autoridades nacionais na coordenação, na avaliação de danos, na elaboração de informes de situação e no apoio à coordenação da ajuda humanitária.

O Insarag é formado por uma rede de organizações que constituem o Grupo Assessor Internacional em Busca e Resgate. Quando é solicitado depois de um terremoto, as equipes internacionais de busca e resgate que participam do esquema do Insarag apoiam e assessoram as equipes do país afetado nas tarefas de resgatar e salvar as vidas das vítimas. O Insarag promove a padronização de critérios e procedimentos para a capacitação, o equipamento e a autossuficiência das equipes internacionais para assistência em casos de desastre, e as técnicas e procedimentos utilizados nas operações de busca e resgate estão regidas por normas internacionais de cumprimento obrigatório para as equipes do Insarag.

A Unete é uma ferramenta técnica e operativa do Sistema das Nações Unidas (SNU) formada por especialistas em emergências de cada uma das agências da ONU presentes no país. Frequentemente, convidam-se outros sócios humanitários, como, por exemplo, a Federação Internacional da Cruz Vermelha, ONGs internacionais, doadores e atores governamentais relevantes (Defesa Civil, Ministério das Relações Exteriores), a participar como membros da Unete. Em situações de desastre, é ativada pelo Coordenador Residente do SNU e pode realizar missões de avaliação de danos, análise de pedidos de ajuda internacional, apoio e facilitação da coordenação de operações de socorro a cargo do SNU e da comunidade internacional. Coleta, verificação e difusão de informação sobre a situação de emergência proveniente do governo, ou do Sistema das Nações Unidas, as embaixadas de países doadores, a comunidade internacional e as principais ONGs de cooperação para a elaboração dos reportes de situação e dos apelos por ajuda internacional.

2.2- Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS)

A Opas/OMS, mediante o Programa de Emergências e Desastres (PED-Opas),  tem estabelecido equipes regionais de resposta (ERR) (, formadas por especialistas em saúde e desastres para colaborar na atenção de emergências nos países da região da América Latina e do Caribe. O PED-Opas coordena e monitora as atividades de resposta nas sub-regiões através de suas sedes em Washington e Panamá.

As ERR estão integradas pelo pessoal da Opas/OMS e de países vizinhos, especialistas em diferentes áreas técnicas, como epidemiologia, saúde mental, água e saneamento, serviços de saúde, saúde e meio ambiente, administração, logística e informação e comunicação. Dependendo das necessidades, poderão ser requeridas outras disciplinas, como nutrição, controle de vetores, engenharia estrutural, acidentes químicos ou tecnológicos, vulcanologia e bioterrorismo, entre outras.

A ativação e a mobilização se fazem pela solicitação ao escritório da Opas/OMS no país afetado, em consulta com seu Ministério da Saúde. As atividades da ERR se realizam em apoio a essas duas instâncias, e coordenando o necessário com outras autoridades nacionais e equipes internacionais que possam estar presentes no país, tais como Undac, Insarag e o Movimento da Cruz Vermelha.

Os propósitos essenciais das ERR são:

  • Mobilizar uma equipe de especialistas técnicos em saúde pública para dar o apoio necessário às operações de emergência em um ou vários países afetados.
  • Avaliar rapidamente, em conjunto com as autoridades nacionais, os danos e as necessidades do setor saúde, com o fim de coordenar a resposta das agências internacionais.
  • Assessorar o setor saúde na tomada de decisões para realizar intervenções imediatas.
  • Analisar a informação de saúde e determinar os riscos potenciais para a saúde pública da população.
  • Coletar e implantar rapidamente a informação de interesse para a saúde pública.
  • Apoiar, quando for requerido, na ativação do cluster de saúde e em outros grupos especializados de trabalho, que sejam ativados no marco da Reforma Humanitária.

2.3- Movimento da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho

No nível nacional, a primeira resposta é conduzida pela respectiva Sociedade Nacional da Cruz Vermelha do país afetado, que contará com o apoio internacional, quando as condições de emergência assim demandarem. Nesses casos, a Federação Internacional da Cruz Vermelha (FICR) (link: http://www.ifrc.org/es/introduccion/disaster-management/-respondiendo-a-...) pode mobilizar as equipes regionais de resposta a desastres integrados pelo pessoal das

Sociedades Nacionais dos países vizinhos podem dar esse apoio à Sociedade Nacional local em temas como avaliação de necessidades, operações de socorro em água, alimentação e segurança alimentar, saúde, abrigos, entre outros. Igualmente, podem despachar as Unidades de Resposta às Emergências (link: http://www.ifrc.org/es/introduccion/disaster-management/-respondiendo-a-...), que são grupos especializados com treinamento e equipe para operações de logística, socorro, tecnologia da informação e telecomunicações, água e saneamento, serviços de saúde básicos e hospitais.

Na região da América Latina e do Caribe, essas equipes internacionais são coordenadas pela Unidade Pan-Americana de Resposta a Desastres (Padru em inglês) (link: http://cruzroja.org/padru/), que tem sua sede no Panamá, onde conta com equipamento e suprimentos estratégicos para a intervenção no desastre, tais como equipes para logística, transporte e comunicações.

Algumas sociedades nacionais da Cruz Vermelha, tais como a Cruz Vermelha alemã, americana, espanhola, canadense, italiana, norueguesa, finlandesa, holandesa, japonesa, suíça e britânica, despacham equipes internacionais de apoio para a resposta ou outro tipo de assistência em desastres para a região,. No geral, essas equipes interagem prioritariamente com a Sociedade Nacional do país afetado, mas coordenam suas atividades com outros atores nacionais e internacionais envolvidos nos socorros.

Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) (link: http://www.icrc.org/spa/) intervém em situações de conflito armado e violência interna, que desempenha um papel importante quando ocorre um desastre em países com essas condições.

2.4- ONGs humanitárias

Entre as ONGs internacionais que intervêm nos diferentes âmbitos da saúde em emergências com maior presença na América Latina e no Caribe, podem-se mencionar:

  • Médicos sem Fronteiras: Intervêm em situações de conflito armado e de doenças endêmicas e epidêmicas. Sua resposta em emergências inclui cirurgias, atenção psicossocial, água e saneamento e distribuição de artigos de primeiros socorros. Possuem um escritório de emergência no Panamá, para implantação imediata em emergências da região, e um escritório no Brasil.
  • Médicos del Mundo: Implantam ações de ajuda a vítimas de desastre orientadas a aliviar seu sofrimento, garantir sua subsistência, defender sua dignidade e proteger seus direitos fundamentais no que se refre a seu acesso à saúde.
  • Médicos Mundi: Realiza ações de ajuda humanitária e de emergência nos países onde a organização já está realizando ações de desenvolvimento (atualmente na Bolívia, no Peru, na República Dominicana, no Equador, na Guatemala, na Nicarágua, em Honduras, em El Salvador e no Brasil).
  • Acción contra el Hambre: Suas intervenções de emergência são em nutrição, água e saneamento e segurança alimentar.
  • Farmacêuticos sem Fronteiras: Fornecem assistência mediante o envio de farmacêuticos e materiais sanitários, assim como apoio técnico para campanhas de educação sanitária, gestão de farmácias com medicamentos essenciais e campanhas de medicamentos não utilizados.
  • Oxfam: Confederação internacional de quinze organizações que trabalham conjuntamente fornecendo assistência em situações de desastre ou conflito, com grande incidência nos temas de água e saneamento.
  • Save the Children: Tem um mandato original de proteção da infância e, em desastres, fornece assistência com alimentação, assistência médica e educação.

3- O enfoque de cluster e os cluster de Saúde

Com o objetivo de melhorar a eficiência e a efetividade da resposta humanitária às crises e incrementar a capacidade e a responsabilidade dos principais setores da resposta humanitária, o Comitê Permanente Interagencial (IASC, em inglês) é uma instância de coordenação que agrupa as agências das Nações Unidas e outras organizações internacionais que intervêm na assistência humanitária que estabeleceu o sistema de cluster ou grupos temáticos.

Um cluster é o agrupamento de atores humanitários internacionais em torno de um setor específico (água, saúde, abrigos, entre outros) do qual participam todos os atores humanitários operacionais relevantes em seu setor, que podem ser da ONU, do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e outros atores da sociedade civil que se comprometam a participar de acordos de coordenação da resposta humanitária.

Ele é ativado quando uma emergência é de tão grandes dimensões e tão complexa que implica a resposta de uma grande quantidade de atores em campo, para o qual se tem definido novos setores de atividade (Tabela 2 – grupos setoriais e agências líderes):

 

Grupos setoriais e agências líderes

Setor ou área de atividade

Líder

Áreas técnicas

1. Nutrição

Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência (Unicef)

2. Saúde

Organização Pan-Americana da Saúde

3. Água, saneamento e higiene

Unicef

4. Abrigos temporários

Federação Internacional da Cruz Vermelha

Situações de desastre natural

Situações de conflito

Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

Áreas Transversais

5. Coordenação e gestão de acampamentos

Acnur

Deslocados internos por emergências complexas

Deslocados internos por desastres naturais

Organização Internacional para Migrações

6. Proteção

Acnur

Deslocados internos por emergências complexas

Deslocados internos por desastres naturais

Acnur, Unicef, Escritório para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

7. Recuperação rápida

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Áreas técnicas de serviços comuns

8. Logística

Programa Mundial de Alimentos (PMA)

9. Telecomunicações em emergências

Escritório para Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha/Unicef/PMA)

cluster deve servir como mecanismo para:

  • A colaboração entre as organizações participantes na avaliação, na análise e na garantia de um sistema efetivo e integrado de informação em saúde;
  • A congruência das prioridades, dos objetivos e das estratégias para a resposta baseados em fatos, bem como normas e protocolos comuns que sejam  adotados por parte dos membros como base de suas próprias atividades;
  • A ação coordenada de todos os membros para implementar as estratégias acordadas, fazer uso efetivo dos recursos disponíveis, identificar e preencher lacunas nos serviços, promover a recuperação sustentável e resolver os problemas de saúde urgentes à medida que se vão apresentando;
  • A colaboração entre os membros no prosseguimento, a avaliação, as lições de aprendizagem, o aumento da capacidade e a preparação dos setores.

O cluster de Saúde na América Latina e no Caribe tem como agência líder a Opas, que deve servir como apoio às autoridades do Ministério da Saúde e aos atores humanitários internacionais do setor Saúde; deve garantir que os atores humanitários internacionais apoiem o esforço nacional e desenvolvam e mantenham contatos apropriados com as autoridades governamentais e locais relevantes e as organizações da sociedade civil local que se ocupam de atividades relacionadas com a saúde. O funcionamento do cluster de Saúde depende da situação de cada país:

  • Em situações onde o Ministério da Saúde se encontra em uma posição firme para liderar uma resposta humanitária integral em saúde, o cluster deve se organizar em função de apoiar os esforços do governo anfitrião. Esse deve ser o caso típico depois de um desastre natural.
  • Em outros casos, em particular em uma situação de conflito, a boa disposição ou a capacidade das instituições do governo ou do Estado – incluído o Ministério da Saúde – para liderar ou contribuir com as atividades humanitárias pode vir a ser comprometida. Nesse caso, o cluster pode assumir de maneira mais ativa a intermediação entre o governo anfitrião e os atores humanitários internacionais.

Na América Latina o cluster de Saúde estaria usualmente coordenado pelo Ministério da Saúde, com o apoio da Opas como agência líder desse cluster.

No Guía de Gobiernos para Respuesta a Desastres são fornecidas amplas informações sobre os diversos mecanismos da comunidade internacional para apoiar os países em situação de desastre.